A usucapião extrajudicial veio para facilitar e desburocratizar procedimentos. Não se trata de mais uma modalidade de usucapião, mas sim de uma forma de realizar o procedimento fora do âmbito judicial.
Importante referir que a usucapião não pode ser usada como um meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral para a transferência de propriedade.
Neste artigo vamos tratar da usucapião extrajudicial, disciplinada no artigo 216-A, da na Lei de Registros Públicos, que foi introduzida pelo Código de Processo Civil de de 2015, alterada pela Lei 13.465/2017 e regulamentada pelo Provimento nº 149/2023 do CNJ, nos artigos 398 a 423, que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial no âmbito dos serviços notariais e de registro de imóveis.
A regularização de imóveis no Brasil
Aproximadamente 50% dos imóveis no Brasil possuem algum tipo de irregularidade, segundo o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (dados de 2019). A irregularidade mais comum é a falta de documentação de propriedade, o que atinge mais de 60 milhões de imóveis.
Um imóvel é considerado irregular quando não possui o devido registro imobiliário, ou seja, a matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis, em nome do real proprietário, com todas as especificações corretas, como averbação de construções, medidas e confrontações.
A regularização do imóvel permite que você tenha total disponibilidade do bem, podendo vendê-lo, alugá-lo ou utilizá-lo como garantia, além de valorizá-lo.
Como tornar o seu imóvel regular?
Diversas são as formas de regularizar um imóvel, o que dependerá sempre do caso concreto. Às vezes é possível realizar a regularização através de um inventário, de uma partilha de bens, através de uma retificação de matrícula, regularização fundiária e até mesmo por usucapião.
Vamos abordar neste artigo a usucapião extrajudicial como ferramenta de regularização e valorização de imóveis.
O que é usucapião extrajudicial?
Primeiramente, vamos entender do que se trata a usucapião. A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade exigindo, basicamente, posse prolongada e qualificada.
A aquisição originária ocorre quando o imóvel encontra-se desvinculado de qualquer relação com o titular anterior e sem que haja relevância com o antecessor. E, nesse caso, não há incidência de ITBI – imposto de transmissão de bens imóveis.
Existem diversas modalidades de usucapião, com requisitos específicos, em diversos dispositivos legais: extraordinária, ordinária, especial (rural e urbana), coletiva e por abandono de lar.
Por sua vez, a usucapião extrajudicial não é uma nova modalidade, mas sim uma nova forma procedimental da usucapião. Até 2015, somente era possível a realização de usucapião através de um processo judicial.
Com a introdução do art. 216-A na Lei de Registro Públicos, a forma tradicional que dependia do ajuizamento de uma ação deu espaço ao trâmite administrativo da usucapião.
Assim, preenchidos os requisitos legais, será possível realizar o procedimento da usucapião de forma administrativa, em menos tempo que uma ação judicial, fazendo com que o imóvel possua o seu registro imobiliário.
Como ocorre o procedimento da usucapião extrajudicial?
O procedimento da usucapião extrajudicial é realizado perante o Registro de Imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel, sendo que o Oficial de Registro é quem a declara o reconhecimento extrajudicial da usucapião, compreendendo um procedimento consensual, opcional, célere e simples.
A usucapião extrajudicial exige a assistência por advogado, mas dispensa a intervenção do Ministério Público e a homologação judicial. Há grande atuação do Tabelião e do Oficial Registrador na forma de colaboração, sendo que o tabelião é responsável pela elaboração da ata notarial e o registrador por conduzir o procedimento e concluí-lo.
Os interessados na usucapião têm a faculdade de optarem pela via judicial ou pela extrajudicial, podendo ser solicitado, a qualquer momento, a suspensão do procedimento pelo prazo de 30 dias ou a desistência da via judicial para promoção da via extrajudicial.
O procedimento deverá ser iniciado por um requerimento, assinado por advogado, acompanhado da respectiva procuração com poderes especiais para a usucapião extrajudicial, contendo:
- a modalidade de usucapião requerida e sua base legal;
- a origem e as características da posse, a existência de edificação, benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com a referência às respectivas datas de ocorrência;
- o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores, cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo;
- o número da matrícula ou a transcrição da área em que se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito; e
- o valor atribuído ao imóvel usucapiendo.
Com relação ao valor do imóvel declarado pelo requerente, poderá ser o valor venal relativo ao último lançamento do imposto predial e territorial urbano ou do imposto territorial rural incidente ou, quando não estipulado, o valor de mercado aproximado.
O requerimento da usucapião extrajudicial, com todos os documentos que o instruírem, será autuado pelo oficial do registro de imóveis competente, prorrogando-se os efeitos da prenotação até o acolhimento ou rejeição do pedido.
Estando o requerimento regularmente instruído com todos os documentos exigidos, será dada ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestação sobre o pedido de usucapião extrajudicial no prazo de 15 dias.
Estando em ordem a documentação e não havendo impugnação, o oficial de registro de imóveis emitirá nota fundamentada de deferimento e efetuará o registro da usucapião.
A seguir, vamos analisar os documentos que devem acompanhar o requerimento para o processamento extrajudicial.
Quais os documentos necessários para a usucapião extrajudicial?
Além do requerimento assinado por advogado, o procedimento de usucapião extrajudicial requer a apresentação de outros documentos indispensáveis, que são:
- ata notarial;
- planta e memorial descritivo;
- certidões negativas de distribuição do imóvel e do interessado;
- descrição georreferenciada, em caso de imóvel rural;
- certidão da natureza do imóvel;
- justo título e outros documentos que comprovem a posse.
Ata notarial
A ata notarial para usucapião extrajudicial é um documento com fé pública, elaborado pelo Tabelião de Notas. Nesse documento são atestadas diversas informações que servem para comprovação da posse, dentre elas:
- o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores;
- a forma de aquisição da posse do imóvel,;
- a metragem aproximada da área, com suas delimitações e confrontações;
- a existência de construções e moradia;
- o valor do imóvel;
- depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes;
- outras informações que o tabelião considere necessárias à instrução do procedimento.
A ata notarial será lavrada pelo tabelião de notas do município em que estiver localizado o imóvel objeto da usucapião. Nela, deve constar a qualificação, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do requerente e o respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião.
O requerimento poderá ser instruído com mais de uma ata notarial, por ata notarial complementar ou por escrituras declaratórias lavradas pelo mesmo ou por diversos notários, ainda que de diferentes municípios, as quais descreverão os fatos conforme sucederem no tempo.
Na ata notarial podem constar documentos, sons gravados em arquivos eletrônicos, além do depoimento de testemunhas, não podendo basear-se apenas em declarações do requerente. O tabelião tem o dever de alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa no referido instrumento configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.
O êxito da pretensão à usucapião extrajudicial depende da existência de provas, portanto, a ata notarial é o instrumento destinado a produzi-las, devendo retratar fielmente os fatos presenciados pelo notário.
Planta e memorial descritivo
A planta e memorial descritivo do imóvel é outro documento indispensável para a usucapião extrajudicial, e deve vir acompanhado da assinatura do profissional habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica (ART) ou do Registro de Responsabilidade Técnica (RTT) no respectivo conselho de fiscalização profissional. Também é exigida a assinatura dos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou pelos ocupantes a qualquer título.
O reconhecimento de firma das assinaturas é exigido, seja por semelhança ou por autenticidade.
Em caso de ausência de alguma assinatura, deverá ocorrer a devida notificação, por meio do oficial de registro de imóveis ou do oficial de registro de títulos e documentos, concedendo prazo de 15 dias para manifestação, considerando a inércia como concordância ao procedimento da usucapião extrajudicial.
Da mesma forma, se a planta não estiver assinada por algum confrontante, deverá ocorrer a sua notificação pelo oficial de registro de imóveis, mediante carta com aviso de recebimento, para manifestar-se no prazo de 15 dias.
Será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel objeto da usucapião extrajudicial for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula.
Certidões negativas de distribuição do imóvel e do interessado
As certidões negativas de distribuição de ações da Justiça Estadual e Federal da situação do imóvel, expedidas nos últimos 30 dias, são necessárias a fim de verificar a existência de alguma ação em trâmite, questionando a posse ou propriedade do imóvel objeto da usucapião extrajudicial.
Devem ser expedidas certidões em nome do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; e de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, em caso de sucessão de posse, que é somada a do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião.
Descrição georreferenciada
O georreferenciamento é um procedimento que mapeia os imóveis rurais, demonstrando sua posição geográfica e sua área, através de métodos de levantamento topográfico, com descrição de limites e características. Esse levantamento é necessário para instruir a usucapião extrajudicial que envolve imóveis rurais.
A Lei 10.267/2001 traz a obrigatoriedade de georreferenciamento para todos os imóveis rurais. O georreferenciamento deve ser certificado pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que confronta as informações recebidas com os dados já existentes e registrados.
Certidão da natureza do imóvel
Para fins de comprovação de que o imóvel objeto da usucapião pertence a área urbana ou rural, deve ser apresentada uma certidão de natureza do imóvel, obtida perante os órgãos municipais e/ou federais, expedida até 30 dias antes do requerimento.
Essa certidão irá descrever a localização do imóvel dentro do Município, se faz parte da zona urbana ou não, o que é necessário para fins de qualificação no registro de imóveis.
Justo título e outros documentos que comprovem a posse
O justo título se refere a prova de boa fé, o que não é necessário em todas as modalidades de usucapião e, portanto, não é requisito essencial. Mas, caso o requerente possua algum documento comprobatório da aquisição do imóvel, deve apresentá-lo ao tabelião, na lavratura da ata notarial, bem como ao registrador. Isso facilitará a elaboração da ata notarial, e trará mais força para a comprovação da posse do imóvel.
São exemplos de justo título:
- compromisso ou recibo de compra e venda;
- cessão de direitos e promessa de cessão;
- pré-contrato;
- proposta de compra;
- reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar;
- procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel;
- e documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.
No caso de apresentação pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível, fica dispensada a notificação do titular da matrícula do imóvel objeto da usucapião extrajudicial.
Quais os custos para a usucapião extrajudicial?
Além dos honorários advocatícios que deverão ser pactuados entre as partes, o procedimento da usucapião extrajudicial envolve o pagamento de emolumentos ao Tabelionato e ao Registro de Imóveis.
Conforme disposto no Provimento 149/2023 do CNJ, enquanto não for editada, no âmbito dos estados e do Distrito Federal, legislação específica acerca da fixação de emolumentos para o procedimento da usucapião extrajudicial, serão adotadas as seguintes regras:
- no tabelionato de notas, a ata notarial será considerada ato de conteúdo econômico, devendo-se tomar por base para a cobrança de emolumentos o valor do imóvel;
- no registro de imóveis, pelo processamento da usucapião, serão devidos emolumentos equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro e, caso o pedido seja deferido, também serão devidos emolumentos pela aquisição da propriedade equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro, tomando-se por base o valor do imóvel.
Importante consultar a tabela de emolumentos de cada Estado, a fim de verificar se já existe previsão para os emolumentos de usucapião extrajudicial.
Essa ferramenta de regularização de imóveis já está sendo muito utilizada pelos Cartórios do Brasil, sendo que mais de 18.000 usucapiões extrajudiciais já foram concluídas, de acordo com o Portal Estatístico Registral.
Não deixe de consultar um advogado especialista em regularização imobiliária para ter o seu imóvel regularizado e valorizado.
Caso ainda tenha dúvidas ou queira conversar mais sobre o assunto, pode entrar em contato através do link do WhatsApp.
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